25 July 2007

Impróprios Nomes Próprios

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Filho. – A adopção desta palavra, em seguida a nomes próprios, como, por exemplo, em Alexandre Braga (Filho), substituiu-se no nosso tempo ao costume anterior, de distinguir do pai, pelo comparativo latino Junior, o filho de qualquer homem em igual nome. Não é novo tal costume, mas renovado, pois em documentos portugueses medievais se encontram formas como Petrus Filius ou Pelagius Filius.
Supomos que a renovação do velho hábito deva incluir-se na espécie de galicismos, e que para ela tenham principalmente contribuído os nomes dos escritores Alexandre Dumas Pai e Alexandre Dumas Filho, tão repetidos e popularizados entre nós, desde meados do século XIX, que a pronúncia do apelido Dumas se aportuguesou, sem nenhum escrúpulo, e rima com plumas ou espumas.
Generalizou-se o sistema francês, e não é difícil prever que, no futuro decurso dos tempos, a palavra Filho deixará de poder funcionar como simples distintivo entre o progenitor e o seu rebento, e assumirá carácter de apelido e de família. Assim aconteceu, como bem se sabe e vê, às formas Sobrinho, Neto, Mano, Primo, Colaço, Morgado, Parente, Velho, etc. empregadas a princípio para distinguir por idade ou certo laço de parentesco indivíduos do mesmo nome, as quais afinal se reverteram como apelidos firmes e correntes.
Era preferível o emprego das formas Sénior e Júnior, porque sendo latinismos adventícios e não expressões vivas da língua, por elas se conservava melhor o sentimento da função diferenciadora.Da nova prática resulta poder profetizar-se que, algum da, surjam combinações como Filho Júnior e até Filho Filho, a não ser que se volte a um sistema antiquíssimo da nossa língua – e então teremos o sr. Filho o Velho e o sr. Filho o Moço.
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Os nomes próprios Pascoal, Paixão, Ressurreição, Ramos, etc. recordam a Semana Santa e foram postos originariamente a crianças cristãs nascidas durante ela, embora quasi todos viessem tornar-se mais tarde apelidos de família e a perder o carácter de baptismais.
Natália, Reis, Natividade, Nascimento, Espírito Santo, Quaresma, são nomes ou apelidos evocadores de outras datas ou períodos do calendário cristão ou católico.
Morei há anos em certa rua do bairro da Estrela, e defronte da minha residência estendia-se uma fieira de casinhas térreas habitadas por boa gente do povo. Entre esses vizinhos, havia um vidraceiro, cuja filha, pequena então dos seus dez anos, se chamava Notícia, porque a sua mãe a dera à luz exactamente no momento em que alí chegou a notícia da proclamação da República.
Este acontecimento político impressionou grandemente o povo ingénuo, que nele via o prólogo de um paraíso com todas as delícias, e sem nenhum defeito.Tão risonhas esperanças, combinadas com a propaganda sectária do Registo Cívil, reflectiram-se logo no baptismo laico de muitas crianças, e das rapariguitas principalmente, porque o seu sexo se presta melhor às alegorias femininas com que se figuram abstracções e ideologias [tais que] Liberdade, Outubrina, Aurora da Liberdade, Nova Pátria e semelhantes.
Conta o dr. José leite de Vasconcelos, na sua magistral "Antroponímia Portuguesa", que a uma criança do sexo masculino se deu há anos em Lisboa o nome exquisito de Rodasnepervil, o qual não é senão a expressão livre-pensador escrita de trás para diante, desconhecendo o pároco que baptizou a criança o intuito do pai dela.
É muito mau o costume de fazer de pobres criancinhas, por paixão política, monumentos involuntários e homenagens vivas às ideias, alegrias ou esperanças partidárias dos pais, esquecidos egoistamente de que os pequerruchos de agora hão-de ser um dia pessoas livres e autónomas, com igual direito a pensarem como quiserem, e que assim ficaram carimbadas. Tudo isto mostra a vantagem dos velhos nomes próprios que em geral usamos, e que nos distinguem sem nos arregimentar em partidos ou ideologias.
No tempo da Grande Guerra, alguém perguntou a Teófilo Braga se era francófilo ou germanófilo. O sábio não estava para dar satisfações ao perguntador e respondeu assim:
- Eu cá sou Teófilo.”
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Agostinho de Campos. in LÍNGUA e Má Língua (Graças da Fala e Nódoas na Escrita), 3ª edição, Livraria Bertrand, 1945.
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* BOTERO. A Família, 1996, imagem in
...
www.artchive.com/.../botero_family.jpg.html
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11 comments:

teresamaremar said...

Para ti o texto, Frioleiras. Vais sorrir :)

(este justificado anda a deixar-me neura, doentiamente perfeccionista que eu sou e com a mania das simetrias, não consigo que os textos justificados fiquem alinhadinhos à direita aghrrr)

Frioleiras said...

E eu nem sei trabalhar, quase, no blogue ! Adoraria ter m�sica (um Bach, certamente...) de fundo no meu blogue... mas n�o sei !...

Quanto aos nomes ... gostei de ler.

A minha av� materna chamava-se Maria da Concei�o e a paterna Maria da Ascens�o....

Eu estive para me chamar Maria do Ros�rio ! (verdade, verdadinha...)
e sou... Frioleiras .

Um amigo meu (q foi mt importante na minha vida) tem por nome M Marfim , porque quando nasceu era t�o louro e t�o branco que parecia uma bola de marfim... e isto numa pessoa desta gera�o mas...............nomes que v�o tirar a telenovelas (Nadir, Sandra, Neusa, etc etc) ou pseudo-finos (Afonso Maria, Sebasti�o, Constan�a, Martin etc etc)
repiso...
n�o tenho paci�ncia...
acho mais ternura ao M Marfim...

bj

F.

bettips said...

Passei, dali, aqui. Vizinhanças. Sei que nunca aportei a este lado do mundo ilusionsita de Bosch: lembrar-me-ia desta minha beleza tão amada, esparramada aqui. Depois, reler um pouco atrás e pensar "há algo que conheço?como?reconheço?donde?". Já agora posso acrescentar: era para me chamar Aurora Matutina (eu que adoro a noite) porque no fascismo não deixavam ser Aurora da Liberdade!
Flizmente, passou-lhes a mania e sou uma simples, sem Maria. Abraços

Anonymous said...

Gostei muito, e aprendi alguma coisa.
Quando assim acontece, damos por bem empregue o tempo.

Com a perda clara de influência da língua francesa, substituida pelo inglês, não me admiraria muito se,um dia destes, aparecessem os "Son" e os "Little"...

Estou a brincar...

teresamaremar said...

:)))

pois eu Frioleiras e Bettips, queria a minha madrinha que eu fosse Salomé, e a minha mãe... Teresinha.

pelamordedeus!!!

A Teresinha não foi consentido, que era brasileiro, A Salomé ficou logo aquando da lembrança, pois a minha mãe não desistia da Teresa :)))

Teresinha, ainda que achem uma piroseirice, eu até gosto que me chamem, mas daí a ter de assinar tal...

:)))) beijos

teresamaremar said...

OLá Rigoletto

acho muito divertido este texto, didáctico até :), e muito interessante todo o livro... graças e nódoas do falar e do escrever

:)

Zénite said...

Teresa é um nome muito bonito. :)


Teresa: Segundo o livro Nomes Próprios, de Ana Belo, Therasia era o nome pelo qual eram conhecidas, na Grécia antiga, duas ilhas, uma na proximidade de Creta e outra perto da Sicília. Também pode ter origem em therizo, que significa «colher».
(Ciberdúvidas da Língua portuguesa)

Penso que Therasia e Tera são uma e a mesma coisa (uma das Cíclades.

Abraço.

teresamaremar said...

Boa noite Zénite

:) eu gosto, vai bem dos 8 aos 80 anos. Embora, durante anos, quando ainda existiam exames, eu muito protestasse com a minha mãe por ter escolhido um nome que me fazia ser das últimas :)))

[sou Maria em segundo]

Zénite said...

Perfeito e belo, o dual conjunto.

Não tenho a mínima dúvida de que, apesar de o nome constar do final das pautas, eras a primeira ou das primeiras no que interessava.
O meu está mais ou menos a meio: Luís :)

Um bom resto de tarde.

Abraço.

o Reverso said...

teresamaremar, como tem tempo para tanta coisa?!
tem tempo para dormir?

teresamaremar said...

Olá Triliti

durmo :) embora pouco, é verdade, ando até a espaçar os posts, agora que estou em férias

Obrigada pelo comentário