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“Filho. – A adopção desta palavra, em seguida a nomes próprios, como, por exemplo, em Alexandre Braga (Filho), substituiu-se no nosso tempo ao costume anterior, de distinguir do pai, pelo comparativo latino Junior, o filho de qualquer homem em igual nome. Não é novo tal costume, mas renovado, pois em documentos portugueses medievais se encontram formas como Petrus Filius ou Pelagius Filius.
Supomos que a renovação do velho hábito deva incluir-se na espécie de galicismos, e que para ela tenham principalmente contribuído os nomes dos escritores Alexandre Dumas Pai e Alexandre Dumas Filho, tão repetidos e popularizados entre nós, desde meados do século XIX, que a pronúncia do apelido Dumas se aportuguesou, sem nenhum escrúpulo, e rima com plumas ou espumas.
Generalizou-se o sistema francês, e não é difícil prever que, no futuro decurso dos tempos, a palavra Filho deixará de poder funcionar como simples distintivo entre o progenitor e o seu rebento, e assumirá carácter de apelido e de família. Assim aconteceu, como bem se sabe e vê, às formas Sobrinho, Neto, Mano, Primo, Colaço, Morgado, Parente, Velho, etc. empregadas a princípio para distinguir por idade ou certo laço de parentesco indivíduos do mesmo nome, as quais afinal se reverteram como apelidos firmes e correntes.
Era preferível o emprego das formas Sénior e Júnior, porque sendo latinismos adventícios e não expressões vivas da língua, por elas se conservava melhor o sentimento da função diferenciadora.Da nova prática resulta poder profetizar-se que, algum da, surjam combinações como Filho Júnior e até Filho Filho, a não ser que se volte a um sistema antiquíssimo da nossa língua – e então teremos o sr. Filho o Velho e o sr. Filho o Moço.
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.Os nomes próprios Pascoal, Paixão, Ressurreição, Ramos, etc. recordam a Semana Santa e foram postos originariamente a crianças cristãs nascidas durante ela, embora quasi todos viessem tornar-se mais tarde apelidos de família e a perder o carácter de baptismais.
Natália, Reis, Natividade, Nascimento, Espírito Santo, Quaresma, são nomes ou apelidos evocadores de outras datas ou períodos do calendário cristão ou católico.
Morei há anos em certa rua do bairro da Estrela, e defronte da minha residência estendia-se uma fieira de casinhas térreas habitadas por boa gente do povo. Entre esses vizinhos, havia um vidraceiro, cuja filha, pequena então dos seus dez anos, se chamava Notícia, porque a sua mãe a dera à luz exactamente no momento em que alí chegou a notícia da proclamação da República.
Este acontecimento político impressionou grandemente o povo ingénuo, que nele via o prólogo de um paraíso com todas as delícias, e sem nenhum defeito.Tão risonhas esperanças, combinadas com a propaganda sectária do Registo Cívil, reflectiram-se logo no baptismo laico de muitas crianças, e das rapariguitas principalmente, porque o seu sexo se presta melhor às alegorias femininas com que se figuram abstracções e ideologias [tais que] Liberdade, Outubrina, Aurora da Liberdade, Nova Pátria e semelhantes.
Conta o dr. José leite de Vasconcelos, na sua magistral "Antroponímia Portuguesa", que a uma criança do sexo masculino se deu há anos em Lisboa o nome exquisito de Rodasnepervil, o qual não é senão a expressão livre-pensador escrita de trás para diante, desconhecendo o pároco que baptizou a criança o intuito do pai dela.
É muito mau o costume de fazer de pobres criancinhas, por paixão política, monumentos involuntários e homenagens vivas às ideias, alegrias ou esperanças partidárias dos pais, esquecidos egoistamente de que os pequerruchos de agora hão-de ser um dia pessoas livres e autónomas, com igual direito a pensarem como quiserem, e que assim ficaram carimbadas. Tudo isto mostra a vantagem dos velhos nomes próprios que em geral usamos, e que nos distinguem sem nos arregimentar em partidos ou ideologias.
No tempo da Grande Guerra, alguém perguntou a Teófilo Braga se era francófilo ou germanófilo. O sábio não estava para dar satisfações ao perguntador e respondeu assim:
- Eu cá sou Teófilo.”
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Agostinho de Campos. in LÍNGUA e Má Língua (Graças da Fala e Nódoas na Escrita), 3ª edição, Livraria Bertrand, 1945.
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